Fui até a praia, apanhei sol, até me queimei na testa porque dormi na areia sem usar nenhuma proteção. Levantei, fui ao banheiro, peguei uma lâmina gilete e cortei os pulsos. Quando fiz isso, não houve desespero ou revolta contra alguma coisa que me incomodava e de que eu quisesse me livrar.
O suicídio é sempre uma forma de se libertar de algo que incomoda. Eu não pensei em nada, eu não senti nada. Cortei os pulsos, foi só isso. Perdi muito sangue, escorreguei no chão e ali fiquei, até que o meu amigo, a minha primeira paixão, chegou para me levar à praia.
Acordei no Miguel Couto: "O que é isso? Eu nunca quis me matar". Eu não admitia a ideia do suicídio. Eu tinha tido um impulso, fui ao banheiro e peguei a lâmina — e, repito, sem consciência do que estava fazendo.
Voltamos de bonde, eu e o amigo. Era Carnaval, eu vim, de pulsos amarrados, mas cantando e pulando dentro do bagageiro do bonde. O amigo me olhava de olhos arregalados. No hotel, meu pai e minha mãe me esperavam. "Não se preocupem, isso não vai se repetir, foi um acidente, eu não quis me matar".
Os olhos de mamãe eu consegui enfrentar, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Papai foi mais difícil: ele me olhava como se estivesse olhando um estranho, não era o filho dele aquele moço com os pulsos amarrados. Mamãe sugeriu que pedíssemos o almoço no quarto. Eu insisti: "Vamos almoçar lá embaixo". Entramos no restaurante do hotel, um certo silêncio se fez. Todos me olhavam, disfarçando, mas olhando o escândalo que era eu, com os pulsos levantados, encostados no meu peito. Pura exibição. Depois me veio uma ideia mais sólida: fora tudo um ato de teatro, o meu primeiro momento teatral de uma certa intensidade.
O tempo passou e, mais tarde, compreendi que toda essa encenação fazia parte do processo de me libertar.
Naquele início de 1946, antes da gilete, eu tinha possuído alguém; era o meu amigo, o mesmo que me levou ao Miguel Couto.
Foi bom, muito bom, houve entrega da parte dele; eu, afinal, tive um orgasmo completo. Os problemas começaram logo depois desse momento tão delicado, nós tínhamos, eu, 22 anos, ele, 21. Ele chorou: "Você agora vai me chamar de fresco, não vai me respeitar mais". Eu, num impulso meio parecido com aquele "quero" de 1945, respondi: "Não, eu amo você, mais do que amava antes". Ele me contou: "Tenho uma mulher mais velha com quem faço amor. Agora com essa nossa relação, não sei não...". E lá veio o drama, as dores do homossexual. Eu mal tinha acabado de viver aquele instante que parecia perfeito, comecei a conhecer logo os problemas de viver uma relação com outro homem. [...]
O suicídio é sempre uma forma de se libertar de algo que incomoda. Eu não pensei em nada, eu não senti nada. Cortei os pulsos, foi só isso. Perdi muito sangue, escorreguei no chão e ali fiquei, até que o meu amigo, a minha primeira paixão, chegou para me levar à praia.
Acordei no Miguel Couto: "O que é isso? Eu nunca quis me matar". Eu não admitia a ideia do suicídio. Eu tinha tido um impulso, fui ao banheiro e peguei a lâmina — e, repito, sem consciência do que estava fazendo.
Voltamos de bonde, eu e o amigo. Era Carnaval, eu vim, de pulsos amarrados, mas cantando e pulando dentro do bagageiro do bonde. O amigo me olhava de olhos arregalados. No hotel, meu pai e minha mãe me esperavam. "Não se preocupem, isso não vai se repetir, foi um acidente, eu não quis me matar".
Os olhos de mamãe eu consegui enfrentar, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Papai foi mais difícil: ele me olhava como se estivesse olhando um estranho, não era o filho dele aquele moço com os pulsos amarrados. Mamãe sugeriu que pedíssemos o almoço no quarto. Eu insisti: "Vamos almoçar lá embaixo". Entramos no restaurante do hotel, um certo silêncio se fez. Todos me olhavam, disfarçando, mas olhando o escândalo que era eu, com os pulsos levantados, encostados no meu peito. Pura exibição. Depois me veio uma ideia mais sólida: fora tudo um ato de teatro, o meu primeiro momento teatral de uma certa intensidade.
O tempo passou e, mais tarde, compreendi que toda essa encenação fazia parte do processo de me libertar.
Naquele início de 1946, antes da gilete, eu tinha possuído alguém; era o meu amigo, o mesmo que me levou ao Miguel Couto.
Foi bom, muito bom, houve entrega da parte dele; eu, afinal, tive um orgasmo completo. Os problemas começaram logo depois desse momento tão delicado, nós tínhamos, eu, 22 anos, ele, 21. Ele chorou: "Você agora vai me chamar de fresco, não vai me respeitar mais". Eu, num impulso meio parecido com aquele "quero" de 1945, respondi: "Não, eu amo você, mais do que amava antes". Ele me contou: "Tenho uma mulher mais velha com quem faço amor. Agora com essa nossa relação, não sei não...". E lá veio o drama, as dores do homossexual. Eu mal tinha acabado de viver aquele instante que parecia perfeito, comecei a conhecer logo os problemas de viver uma relação com outro homem. [...]
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