Hoje fui ver teatro ,
Teatro !
Cheguei cedo , os vi
no palco , no meio de um cenário lindo ,
feito por uma das atrizes , Lídia dos Santos, que conheci em São Paulo no
Encontro Ademar Guerra , já sabia que ela fazia arte com material reciclável ,
mas não tinha visto seu trabalho tão lindo e tão vivo , num espetáculo onde
essa artista se revela .
Em Mirassolândia , cidade que comemora a semana do seu
aniversário com uma programação artística bem diversificada e que espera o terço na igreja acabar para iniciar a
apresentação , na expectativa de um
público maior . Uma hora depois e terço
acabado a porta do clube se abriu e eu entrei agora para vê-los em cena .
Me senti mau no começo , no palco uma imagem linda sem
propósito , onde os atores conversavam “disfarçadamente
“ como se eu não os pudesse ver , e não era proposta, era ruim , ao mesmo tempo um chá sem açúcar era servido e tirava caretas
do público na entrada , uma boa ideia
feita com timidez , realmente fiquei triste pois via figurinos , maquiagem , cenário ,marca inicial , tudo
lindo e perdido antes mesmo deles
abrirem a boca por falta de energia e
concentração .
Surgem então movimentos ao som de Amy Winehouse , novamente
uma boa ideia mau executada , e assim segue , marcas interessantes , tudo lindo
, mas não me despertam sensações , um
quadro lindo pendurado na parede , apenas ( alguns quadros me contam muito, mais que
muitos espetáculos ).
Sabia que era uma segunda apresentação depois da estreia na
cidade do grupo , Batatais .
Aí me vem novas questões : Que maravilha um grupo de uma
cidade no interior fazer um espetáculo
com um cuidado estético evidente , uma proposta quase que ousada , ali na minha frente . Me lembrei do Projeto
Ademar Guerra , me veio imagens de todo um ano de pesquisa , trabalho e
processo .
Sinto que muito foi idealizado por uma mão que pode
determinar ao elenco algo sem ao menos permitir que eles respirarem , eles
também não se permitem , mas sem ao menos parar para ver o que está sendo feito
, apenas cumprem , isso eles fazem ,
cumprem , mas não me chega , fica na moldura .
Será meu Deus que estou sendo muito crítico ? Lembrei também
de quando ia ao teatro e tudo o que via me emocionava , só pelo fato de ser teatro , mas hoje está tudo tão diferente , a
maioria do que vejo eu não gosto , vejo defeitos e formas melhores de fazer , mas melhor pra quem ? pra mim ? o que as
pessoas querem ver ? o que quero fazer ? pra quem ?
O grupo faz o que quer e de uma forma legal , mas certas
coisas o Zorra Total já faz , pra que repetir isso então ?
Pensei em tanta coisa , afinal como espetáculo não me pegava
,me senti no direito de pensar . Mesmo
com as atrizes se esforçando , hora ou outra alguma coisa engraçada
aparecendo - como uma criança pedindo
teta com um corpo bem resolvido , a Lídia que me surpreendendo com seu texto literalmente cantado , mas isso
não bastava , não era o suficiente ,estava chato .
Conversei sobre isso no último encontro com nosso orientador
, na separação do teatro entre chato e
não chato , mas sempre fico em dúvida se posso fazer isso , se não estou
determinando ou defendendo algo que somente eu acredito , mas se eu acredito já
tenho motivos para defender , não é mesmo ? Enfim , o que é certo ou não , se é
ou não chato , senão para mim ?
De repente uma figura entra pela plateia , me tira o cansaço
, causado também por um não plano de luz - acho que o grupo não se preocupou
com isso ainda , era feito algo como se queria por alguém que experimentava a
partir do que via , mas não colaborava , a luz era errada ( novamente repito –
para mim )- , o som também mau operado . Esses recursos
devem colaborar e não atrapalhar o que já é difícil de fazer , mas uma
empregada entrou em cena e me fez acordar , ela gritava , era uma figura muito
interessante , eu gostava , mesmo ela dizendo um texto daquela forma , me
parecia também errado , mas ela fazia o que queria naquele momento e eu
comaçava a gostar , em seguida estavam todos sentados , apenas essa empregada
que conduzia outra boa ideia desta vez
muito bem executada , eles se mostravam seguros , pondo em prática uma ideia onde
todos se divertiam , vozes , movimentos
, sem preocupação em acertar uma marca , relaxado , verdadeiro , engraçado ,
enquanto se servia um chá sem açúcar ... Ai meu Deus !!! Me pegou !!! Que bom ,eu não
sou tão ruim e exigente assim !!!
E assim seguiu , mais interessante , mais ainda mostrando
muita deficiência em coisas amadoras , sim o Projeto Ademar Guerra e o teatro
amador , mas eu não posso chamar aquilo de amador , tem tanta beleza ,
referência , bom gosto , um bom caminho , e parece estar sendo feito com muito
amor . Não ! Erros amadores sim , saídas inacabadas , seres humanos se
mostrando , abandonando completamente suas personagens antes de chegar nas
coxias , figuras paradas criando vida em momentos errados , saindo de cena ,
pensando não poder ser visto , saindo de um quadro , indo até o camarim fazer
sei lá o que , voltando e saindo de novo enquanto uma cena rolava na frente .
Não ! EU TE VI !!! Fui lá te ver , você tava em cena e no palco você fica
ENORME e me mostra exatamente o que você é , não acredite que você pode se
esconder assim tão facilmente .
Coisas boas apareciam , soltas no meio de tantas ideias boas
e aí ... termina , sem parecer , sem se finalizar .
Lembrei de alguém que me disse : Um bom espetáculo tem uma
boa cena no começo e um grande final . E quando se tem um começo ruim , um meio interessante e um
final ruim ? Não gostei !
Quando terminou escutei na coxia vidros caindo e quebrando ,
imaginei a bandeja com as xícaras de chá no chão , pensei talvez fazer parte da cena , mas percebi que
não quando a atriz volta para os aplausos com os olhos vermelhos segurando um
choro que eu particularmente não teria força para segurar . Naquele momento vi
muita beleza , mais ainda quando percebi que a Lidia dividia a mesma sensação e
se segurava pra não soltar as lágrimas e as feras de alguém que tava o tempo
todo em cena dando duro , tentando fazer bonito e fazer o que se preparou pra
fazer , enquanto eu critico tudo ,acho tudo errado . O que está acontecendo
comigo ? Só naquele momento sensações verdadeiras chegaram até mim e me senti
bem com isso , depois de muito me sentir mau em assistir algo criticando tudo .
Sem dúvida foi esse o momento mais lindo , eles não me
agradaram mas tentaram , tava ali estampado no rosto das meninas que talvez
desastradamente quebraram tudo ao enfim sair de cena, depois de quase uma hora
, mas penso que apenas tentar não é o suficiente .
Terminou , aplaudi , de pé , como artista que também sou ,com
respeito , mas não tive vontade de conversar com o grupo depois , estava me
sentindo mau por achar tanta coisa ruim.
Senhores do grupo: escrevo isso como um exercício meu , onde
busco expressar minhas sensações a partir do que vejo , entender o que essa
arte me traz através das diversas pessoas que se propõem fazer . Não tenho como
objetivo criticá-los e nem me tornar um crítico de teatro , apenas gostaria que
soubessem caso leiam isso , que também estou em processo e diariamente penso
muito nisso , acho muito difícil o que estou fazendo , prazeroso mas difícil , exige rigor , preparo , doação ,
cumplicidade e coisas que busco mas ainda nem conheço . Percebo neste
espetáculo um ano de trabalho bem aproveitado na busca de linguagem , de uma
cara para se contar este texto , de boas
escolhas estéticas , em levantar um espetáculo ,numa adaptação repleta de boas
sacadas “ Para nossa alegria “, mas sinto que muito ainda pode ser feito , em
jogos para deixá-los a vontade no meio de tantas marcas .Que vocês consigam
fazer isso respirando e essa respiração pode ser a solução para todos os
problemas que aqui falei , não se esqueçam que estão em cena , e eu te vejo
moço do texto não decorado que se atreve a abrir a boca num texto dado em coro
, te vejo moça displicente que insistem em mexer no colar desesperadamente
enquanto sua amiga se mata para chamar minha atenção na cena dela , os vejo ,
mesmo com uma luz mau operada e mesmo com um cenário lindo eu os vejo , pois
saí de casa para isso , para vê-los para ver TEATRO e concluo que o ator é o teatro . No carro voltando pra casa eu pensei : prefiro teatro feito de calça e camiseta
mas vivo !
Amanhã pretendo levar meu grupo para ver um espetáculo para
crianças feito por uma galera cheia de verdade
latejando nos olhos e que toca
minha pele o tempo todo . “Apolo , Sir Gaia , Chuvisco e agora Madame Popo
“ , é maravilhoso, mas amanhã quem sabe
eu também fale desta experiência , já os vi em outra ocasião e fiquei muito
feliz em ver essa turma que também recebeu orientação pelo Projeto Ademar
Guerra fazendo lindo na minha cidade .
Hoje eu fico com “ A Cantora Careca “ do grupo Todas Tribos
de Batatais , uma cidade de pouco mais de 56 mil habitantes , um grupo que
realmente espero que não se preocupe com o que eu penso , ou em acertar mas que
não deixe de fazer melhor e com compromisso .
Agradeço o Projeto Ademar Guerra por me proporcionar esse
momento, tanto por mandar esses grupos
para essas cidades em circulação , mas também e muito por me mandar
quinzenalmente uma pessoa de teatro , um cara que está me fazendo pensar muito
e me cobrar como artista diariamente , e meu grupo ,que naturalmente se forma
e me fazem sentir vivo , com desejo de
experimentar , descobrir , fazer , do jeito que estamos afim de fazer , da
forma que é real pra mim neste momento .
Aos que me leem ( se é que existem ) , fiquem a vontade para que talvez seja esse o longo começo de uma boa conversa , mas
por favor antes de qualquer palavra : Não sejam mentirosos de si !
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