"Eu sou Ofélia. Aquela que o rio não conservou. A mulher na forca. A mulher com as veias cortadas, a mulher com a cabeça no fogão a gás. Ontem deixei de me matar. Estou só com meus seios, minhas coxas, meu ventre. Rebento os instrumentos do meu cativeiro - a cadeira, a mesa, a cama. Escancaro as portas para que o vento possa entrar e o grito do mundo.
Despedaço a janela. Com as mãos sangrando rasgo as fotografias dos homens que amei e que se serviram de mim na cama, mesa, na cadeira, no chão. Toco fogo na minha prisão. Vou para a rua, vestida em meu sangue.Hamlet você quer comer o meu coração?Sem cerimônia.Morda suave com a boca,Um pedacinho seguro por tuas mãosE, depois dê uma mordida longa.Não, não, não primeiro beije e quando eu menos esperar. Morda com os dentes.
Aqui estou. No coração das trevas. Sob o sol da tortura. Rejeito todo o esperma que recebi. Transformo o leite dos meus seios em veneno mortal. Sufoco o mundo que pari entre as minhas coxas. Eu o enterro na minha buceta. Viva o ódio, o desprezo, a insurreição, a morte. Quando ela atravessar os vossos dormitórios com facas de carniceiro, conhecerão a verdade.
(Ophelia, de Heiner Muller)
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