No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.(...)E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, como do filho único de Deus.
Era uma vez Eu , Eu levantei , fui ao banheiro, peguei uma lâmina gilete e cortei os pulsos. Quando fiz isso, não houve desespero ou revolta contra alguma coisa que me incomodava e de que eu quisesse me livrar. O suicídio é sempre uma forma de se libertar de algo que incomoda. Eu não pensei em nada, eu não senti nada. Cortei os pulsos, foi só isso. Perdi muito sangue, escorreguei no chão e ali fiquei. Acordei no Padre Albino: "O que é isso? Eu nunca quis me matar". Eu não admitia a idéia do suicídio. Eu tinha tido um impulso, fui ao banheiro e peguei a lâmina — e, repito, sem consciência do que estava fazendo. Voltei de ônibus, eu e um amigo. Era carnaval, eu vim de pulsos amarrados, mas cantando e pulando dentro do ônibus. O amigo me olhava de olhos arregalados. Em casa, meu pai e minha mãe me esperavam. "Não se preocupem isso não vai se repetir, foi um acidente, eu não quis me matar”. Os olhos de mamãe eu consegui enfrentar, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Papai foi mais difícil: ele me olhava como se estivesse olhando um estranho, não era o filho dele aquele moço com os pulsos amarrados. Mamãe sugeriu que eu ficasse no quarto. Eu insisti: "Vamos almoçar com todos". Quando sentei a mesa, certo silêncio se fez. Todos me olhavam, disfarçando, mas olhando o escândalo que era eu, com os pulsos levantados, encostados no meu peito. Pura exibição. Depois me veio uma idéia mais sólida: fora tudo um ato de teatro, o meu primeiro momento teatral de certa intensidade. O tempo passou e, mais tarde, compreendi que toda essa encenação fazia parte do processo de me libertar. Naquela época, antes da gilete, eu tinha possuído alguém; era o meu amigo, o mesmo que me levou no Padre Albino. Foi bom, muito bom, houve entrega da parte dele; eu, afinal, tive um orgasmo completo. Os problemas começaram logo depois desse momento tão delicado, nós éramos jovens. Ele chorou: "Você agora vai me chamar de fresco, não vai me respeitar mais". Eu, num impulso meio parecido com outros, respondi: "Não, eu amo você, mais do que amava antes". Ele me contou: "Tenho uma mulher mais velha com quem faço amor. Agora com essa nossa relação, não sei não...". E lá veio o drama, as dores. Eu mal tinha acabado de viver aquele instante que parecia perfeito, comecei a conhecer logo os problemas de viver uma relação com outro homem. [...]
Sonhar é bom, acordar que é foda .
Eu sou aquele que o rio não conservou. O homem na forca. Aquele com as veias cortadas, a mulher com a cabeça no fogão a gás. Ontem deixei de me matar. Estou só com meus seios, minhas coxas, meu ventre. Rebento os instrumentos do meu cativeiro - a cadeira, a mesa, a cama. Escancaro as portas para que o vento possa entrar e o mundo gritar.Despedaço a janela. Com as mãos sangrando rasgo as fotografias dos homens que amei e que se serviram de mim na cama, mesa, na cadeira, no chão. Toco fogo na minha prisão. Vou para a rua, vestido em meu sangue.Você quer comer o meu coração?Sem cerimônia. Morda suave com a boca,Um pedacinho seguro por tuas mãos. E, depois dê uma mordida longa.Não, não, não primeiro beije e quando eu menos esperar. Morda com os dentes.Aqui estou. No coração das trevas. Sob o sol da tortura. Rejeito todo o esperma que recebi. Transformo minha saliva em veneno mortal. Sufoco o mundo que pari entre as minhas coxas. Eu o enterro . Viva o ódio, o desprezo, a insurreição, a morte. Quando ela atravessar os vossos dormitórios com facas de carniceiro, conhecerão a verdade.
E quando de fato eu disser toda a verdade e não mais restar dúvidas , estarei apenas relatando uma vida que sempre foi minha mas que nunca me pertenceu .
Tudo termina em desilusão, mas existe beleza ao longo do caminho...
Eu não represento mais nenhum papel, minhas palavras já não me dizem mais nada. Os meus pensamentos sugam o sangue das imagens. O meu drama não se realiza mais.
Eu morri para o mundo.
Eu vou me hospedar sob um nome falso num pequeno hotel . Minha vida será como o quarto , fresco – cheia de sombra fresca e – do murmúrio da chuva . Eu me vestirei de branco , eu nunca serei muito forte nem terei muita energia ,porém depois de algum tempo terei energia suficiente para andar na calçada, para passear na praia sem esforço ... À noite terei um certo lugar para me sentar junto à praia. Eu terei um quarto grande com venezianas na janela. Haverá uma estação de chuva , chuva , chuva . E eu estarei tão cansado de uma vida toda que nem me importarei de ficar apenas ouvindo a chuva. Eu ficarei tão quieto. As rugas desaparecerão do meu rosto. Meus olhos não ficarão mais inflamados. Eu não terei amigos. Eu nem sequer terei conhecidos. Eu nunca olharei um jornal ou escutarei o rádio, eu não terei a menor idéia do que está acontecendo no mundo. Eu não terei consciência da passagem do tempo. Um dia eu olharei no espelho e notarei que meus cabelos começaram a embranquecer e pela primeira vez terei consciência de estar vivendo neste pequeno hotel sob um nome falso, sem amigos ou conhecidos de qualquer tipo. Isto vai me surpreender, mas não me incomodará nem um pouco. Eu ficarei contente que o tempo tenha passado tão facilmente assim. De vez em quando talvez eu vá ao cinema. Sentarei nas filas de trás , com toda a escuridão ao meu redor e ficarei sentada com as pessoas imóveis ao meu lado sem tomarem conhecimento da minha presença . Olhando a tela . Pessoas imaginárias. Pessoas das histórias. Lerei grandes livros e os diários de escritores mortos . Eu me sentirei mais próximo deles do que das pessoas que conheci antes de ter me retirado do mundo. Essa minha amizade com poetas mortos será doce e refrescante, porque não terei que toca-los ou responder suas perguntas. Eles falarão comigo sem esperar minhas respostas. E ficarei sonolento, ouvindo suas vozes explicando os mistérios pra mim. Dormirei com o livro ainda entre os dedos, até que um dia olharei no espelho e verei que meu cabelo ficou branco, completamente branco. Tão branco quanto a espuma das ondas. Passarei as mãos sobre meu corpo e sentirei quanto fiquei leve e magro. Como estarei magro. Quase transparente. Quase irreal. Então , compreenderei , saberei de modo vago, que estava morando neste pequeno hotel, sem nenhuma relação social, responsabilidade, ansiedades ou perturbações de qualquer tipo por quase cinqüenta anos . Meio século. Praticamente uma vida inteira. Nem sequer me lembrarei dos nomes das pessoas que conhecia antes de vir pra cá , nem da sensação de ser alguém esperando por alguém que – talvez não venha- Então saberei , olhando no espelho , que ainda é carnaval , que chegou a hora de me levantar , ir para o banheiro e esperar que você venha me salvar .
Celebremos agora toda essa carne nos nossos ossosDeixe-me te abraçar apertadoE aproveitar cada pedaço de tiEu vejo quem tu és ...
Você vê a mim ? Você vê ?
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